Recentemente, o Ministério do Esporte divulgou o Diagnóstico Nacional do Esporte (DIESPORTE), que levantou o perfil do praticante de esporte ou atividade física, as fontes de financiamento para o esporte, a infraestrutura e gestão do esporte, assim como a legislação esportiva federal, estadual e municipal. O Grupo de Pesquisa Gestão e Marketing da Educação Física, Saúde, Esporte e Lazer (Gesporte) participou do trabalho com o estudo sobre legislação esportiva. As informações podem ser acessadas no site www.esporte.gov.br/diesporte.
O Gesporte funciona no Centro Olímpico da UnB, coordenado por Paulo Henrique Azevêdo, professor associado da UnB, doutor em Ciências da Saúde e mestre em Administração. Ele é membro fundador e integrante da Comissão Científica da Associação Brasileira da Gestão do Esporte – ABraGEsp. Membro de Notório Saber Esportivo do Conselho de Educação Física, Desporto e Lazer do Distrito Federal – Conef-DF.
Em entrevista ao jornal ViverSports, Paulo Henrique Azevêdo fala sobre o futuro esportivo do Brasil; como as lideranças podem se aproximar da universidade em busca de melhoria no setor; gestão esportiva; políticas públicas para o esporte, dentre outros assuntos de grande relevância.
Você acredita na gestão do esporte como solução para o setor no Brasil?
Acredito nos homens. A gestão do esporte, tal com é desenvolvida no Brasil, já percebemos e comprovamos que não deu certo. Tanto as pessoas quanto os modelos de gestão que utilizaram no ambiente esportivo não são suficientes para atender às necessidades. Está fracassado. Observa-se uma presença muito baixa de Brasília no cenário esportivo. Diria que Brasília, pelo povo, sim, possui prática esportiva como grande referência, porque não depende desses dirigentes. A prática esportiva vem de cada um. Tanto é que Brasília é a cidade com o maior número percentual de praticantes de esporte no Brasil.
No que não depende desses dirigentes, a prática da atividade física, em Brasília, é muito boa. Mas quando entramos nessa seara da organização de modalidades esportivas, percebemos uma deficiência significativa. Esse modelo já está esgotado. Essas pessoas, mesmo com muito boa vontade de algumas delas, não têm condição alguma de estarem à frente desses organismos e não conseguem fazer com que o esporte avance.
O que você acha que deve ser feito para mudar essa realidade?
Acredito na mudança pelos jovens, porque eles não entram com os vícios existentes nessas organizações. Mas, para isso, é preciso cuidar da qualificação e nossa intenção, desde 2008, sempre foi formar nossos jovens para atuarem no ambiente esportivo e dar uma resposta que a sociedade se orgulhe, que veja os bons resultados. Mesmo que não venhamos a ter um grande desempenho nas modalidades esportivas em um primeiro momento, será relevante percebermos que as federações estejam bem geridas, exemplares, propiciando o crescimento saudável do esporte do Distrito Federal.
Formamos gestores que continuam ligados ao ambiente esportivo e prestam serviços fantásticos para a sociedade de Brasília. Temos um exemplo, o Vinicius Lima, que trabalha com pessoas com deficiência e que praticam esporte, mesmo com os graves problemas que eles têm. O Vinícius é um gestor muito qualificado, que ficou quase dois anos no Gesporte. Saiu muito preparado e é referência. Ele tem levado, particularmente, o tênis para fora do Brasil, com representantes importantes. Temos outros gestores que dão suporte a projetos importantes no Ministério do Esporte, que são muito solicitados. Então, nossa expectativa é que possamos contribuir, apesar de não dispormos de estrutura para capacitar um número expressivo de gestores, porque o laboratório é pequeno, mas qualitativamente intervimos para que o profissional se prepare e dê à sociedade a resposta que ela precisa.
O Gesporte está aberto à comunidade esportiva?
O laboratório trabalha de maneira totalmente aberta, mas muitas vezes as pessoas não sabem e também há as que têm receio de se aproximar da universidade. Elas pensam que a universidade não é para elas, quando na verdade, o laboratório trabalha para a sociedade. Tanto que não temos um funcionário aqui, com exceção de professores contratados pela universidade, todos os demais integrantes são voluntários, estagiários (acadêmico e administrativo), alunos de cursos de pós-graduação. Então, não temos ninguém fixo, mas funciona o tempo todo, em horário pleno. Esse tipo de engajamento, onde as pessoas participarem e saberem que, apesar das dificuldades, têm de fazer funcionar faz parte da formação. Somos um laboratório dentro de uma universidade; não temos CNPJ, mas aqui a atuação é como se tivéssemos uma empresa dentro da Universidade de Brasília prestando serviços.
Trabalhamos para que todos os jovens que aqui estão recebam um tratamento aos moldes de uma empresa convencional. Se você observar qualquer uma das pessoas que aqui estão, elas vão dizer que passaram por mudanças essenciais em sua atuação profissional. É nítida a mudança. Nossa formação aqui não é com aulas formais, mas no contexto empresarial. Eles participam de tudo que acontece. Já participaram de reuniões com secretário de Esporte, com altos dirigentes do Sesc, de empresas. Eles intervêm, fazem suas colocações, têm respeitadas suas posições. Todos também fazem todo tipo de atividades para garantirem o pleno funcionamento do Gesporte. Eles têm muito valor em tudo que é feito. Fomentamos a cidadania, a qualificação, o respeito ao próximo, e o gosto de viver bem o ambiente de trabalho.
Trabalhamos para que tenhamos tudo funcionando, com o melhor ambiente possível. E só funciona se for desse jeito e todos os integrantes aderem plenamente.
Como é a procura dos profissionais do esporte pelos serviços do laboratório?
Nós formamos, mas não na mesma proporção quantitativa das demandas do mercado. Recebemos várias pessoas de inúmeras outras instituições e instituições de ensino superior do DF, como da Católica, do UniCEUB. Na medida em que vão sabendo do nosso projeto, aproximam-se de maneira tímida, mas vão chegando. Antes, alguns podiam até pensar que a UnB não é pra eles, mas a gente modifica essa maneira de pensar. Ressalta-se que são pessoas de altíssima qualidade.
Presidentes de federações, ligas e de outras entidades esportivas podem usufruir dos serviços do Gesporte?
Podem, desde que tenham um projeto a ser desenvolvido e que esteja dentro princípios da universidade. Temos que avaliar a relevância e caso esteja de acordo com as nossas práticas, elaboramos um projeto de extensão e o desenvolvemos. Por exemplo, o único curso de arbitragem de futebol fora dos braços da federação de campo foi ministrado por nós. Começou em 2009 e terminou em janeiro de 2010, com 430 horas. Recebi uma carta, na época, do Joseph Blatter, presidente da Fifa, dizendo que o sonho dele era fazer no mundo inteiro um curso nos moldes que nós fizemos. Nesse curso oferecemos disciplinas não somente voltadas à arbitragem, tivemos sociologia do esporte; gestão de carreira; direito esportivo; e outras, que foram ministradas por professores doutores da Universidade de Brasília, além de termos trazido os principais árbitros e ex-árbitros do Brasil. Tivemos um rigoroso estágio prático. Ao observarmos que em muitos cursos o aluno faz estágio no campo e o seu supervisor não está presente para orientá-lo nesse processo. Como você faz um estágio e não tem ninguém para orientar? No curso que realizamos isso era minuciosamente seguido, com orientação, observação. Concluímos o curso e todos os formados saíram com uma vantagem muito grande em relação aos que foram formados no modelo convencional e vários estão atuando em nível nacional e com uma formação profissional. Para entrar, eles fizeram um “mini-vestibular”, com provas física e escrita.
O curso teve o reconhecimento de alguma federação?
O curso foi feito em parceria com a Federação Brasiliense de Futebol (FBF). Tínhamos de ter essa autorização e precisávamos desse piloto. Precisávamos mostrar que o ideal era fazer daquela maneira. Foi um socorro que demos à federação. Ela nos procurou, desenvolvemos esse projeto e fizemos acontecer. Foi muito trabalhoso, porque já tinha toda aquela carga da cultura do futebol e tivemos que modificar, como, por exemplo, com a cultura do jeitinho. Aqui o curso foi levado muito a sério: Passou, passou. Não passou, não passou.
É complicado lidar com os gestores que aí estão?
Acabar com os vícios desse modelo de gestão que ainda prevalece em nosso meio esportivo é difícil. Por isso é que tenho esperança nos jovens. Às vezes, a pessoa é até bem intencionada, mas se perde no meio dessa maneira com o esporte é gerido. Ele tenta fazer o correto, mas não consegue. Já recebi pessoas aqui que querem adotar as boas práticas, mas há situações em que, primeiro, eles não têm qualificação profissional para tal; segundo, nesse ambiente que é muito mais político que gerencial, eles não conseguem obter êxito nas decisões.
Há poucos meses, houve uma audiência pública na CLDF para discutir o futebol profissional da cidade. Entre as várias participações, não houve quem quisesse discutir a gestão do esporte. Como você vê essa questão?
O nosso futebol não é empresarial e esse é o problema. Em 1974, na Itália, todos os clubes esportivos foram obrigados a se transformarem em empresas. Esse foi o primeiro passo para enfraquecer a máfia que atuava no esporte. Entendo que devesse ser assim aqui. Essa figura de clube social, com um monte de benefícios e de facilidades, não leva o esporte a se desenvolver. Esses clubes esportivos sociais contratam um número enorme de pessoas em função de benefícios que recebem. Enquanto uma empresa, para contratar uma pessoa, paga um determinado valor, esses clubes sociais contratam muito mais e pagam o mesmo valor. Os clubes sociais recebem benefício governamental e que não tem impacto relevante para a comunidade. Começa por aí.
Veja um detalhe interessante: muitos criticam a gestão do Brasiliense, clube de futebol que pertence ao empresário Luiz Estevão. Mas, o Brasiliense, por ser um clube-empresa, é fiscalizado como uma empresa qualquer do mercado. Já nos clubes sociais, os dirigentes são muito mais preservados quando se questiona as gestões realizadas. Isso é muito pior.
Recebi a solicitação de um professor para realizarmos qualificação dos gestores de academias. Isso está acontecendo porque as academias são empresas. Elas já entenderam que se não aprenderem boas práticas gerenciais, vão fechar. Os empresários querem qualificar os proprietários, gerentes, coordenadores. Isso não acontece no futebol. Não querem isso, pois, para eles, do jeito que está, está muito bom. E onde está o nosso futebol? Como é possível manter um clube de futebol oito meses parado? Forma-se um time e poucos meses depois tem de demitir os atletas. Ou seja, é um verdadeiro desserviço social. Estão contribuindo para gerar o caos. Se essas pessoas perdem o emprego, do que vão viver?
Até hoje os dirigentes do futebol não sabem trabalhar isso. Quando chega dezembro, todo mundo se mobiliza para o campeonato, recebe patrocínio do BRB e chega ao final do campeonato, os jogadores estão desesperados, porque não receberam, muitos clubes não pagam. Tem atleta que tem para receber salários, passados mais de 10 anos. Mas os clubes receberam o dinheiro do patrocínio. Como pode isso?
Como você vê o Boleiros, programa executado pela Secretaria de Esporte, que custeia a arbitragem dos campeonatos amadores do DF?
O programa Boleiros foi para atender uma demanda de interesses de determinados grupos ligados ao futebol. Às vezes, aceitamos uma ideia porque consideramos uma boa iniciativa e chegamos a dar apoio para a coisa acontecer. Só quando ela está em execução percebemos os erros. Se o Boleiros virar uma lei, esse recurso estará garantido somente para esta atividade e a comunidade perderá o direito de usar esse financiamento para ações muito mais relevantes no ambiente esportivo.
No início de 2015 a Secretaria de Esporte realizou uma audiência pública, no estádio Mané Garrincha, e eu fiquei abismado com uma situação. Uma pessoa se apresentou como o responsável pela realização de competições de tênis no Iate Clube e falou absurdos, porque não haveria recursos públicos para realizar esses campeonatos. Uma pessoa realiza evento em um local elitista, que não permite acesso à população em geral e tudo isso utilizando financiamento público? Não dá pra entender. Isso não é obrigação da Secretaria de Esporte e ela faz muito bem em não atender.
O apoio ao esporte no Brasil é completamente inverso. As empresas públicas deveriam apoiar a base, enquanto a iniciativa privada ficaria com o alto rendimento. Você concorda?
Para as Olimpíadas de Londres (2012), 97% dos atletas americanos que participaram tiveram apoio da iniciativa privada. No Brasil, para o mesmo evento, 95% dos recursos utilizados para qualificar nossos atletas vieram do governo. Não sou contra isso nesse primeiro momento, porque não temos nada. Se o governo não fizer, o empresariado não acredita e não entra. Acredito que o governo tem de investir, porém, preparando empresas para assumirem ao longo do tempo. Só que não veja essa preparação. O governo tem de mostrar para o empresariado que isso é importante, que traz retorno para as suas instituições. A partir daí, o governo vai reduzindo os recursos e utilizando-os em outras ações sociais. Contudo, considero a iniciativa muito positiva.
A gente percebe que o ministério tem evoluído e melhorado muito mesmo. O próprio Plano Brasil Medalhas já corrigiu uma série de imperfeições que existiam no início, o Bolsa-Atleta tem evoluído, mas esbarramos também na gestão do estado para o esporte. Quem é o secretário de esporte? Ele é um ente político que está ali para desempenhar uma função gerencial. Ele chega à Secretaria de Esporte e só vê problema. Começa a se indagar: ‘O que eu vou fazer?’ Então ele pensa: ‘estou com muito boa vontade, quero fazer acontecer. Nisso eu não consigo mexer, nisso também. Então sobra isso aqui. O que eu acho mais importante fazer?’ É onde ele começa a tentar atuar. E esse é o grande mal nosso. Atuar sem ter conhecimento.
Para você, como deveria ser?
O Ministério do Esporte fez em 2013/2014 um diagnóstico do esporte brasileiro, cujo resultado começou a ser divulgado. Mais da metade da população brasileira não pratica esporte algum. Só que essa visão é nacional. Como aplico isso no Piauí? Eu tenho os dados do Piauí, mas são dados muito genéricos. Não são dados que permitam a alguém desenvolver uma política pública para o esporte naquela região. Portanto, acredito que o diagnóstico é algo muito importante para começar o processo de gestão do esporte.
Assim, precisamos começar a fazer aqui em Brasília um diagnóstico do esporte específico de nossa capital. Quem financia o esporte no DF? Quais são os passos, os requisitos, as normas para obter financiamento? Quais as instalações esportivas que temos no DF? Como é a acessibilidade dessas áreas? Quem gerencia? Está disponível para a comunidade utilizar? Qual a infraestrutura que temos, até mesmo para construir novos espaços para a prática de esportes? Se não existe um parquinho para as crianças brincarem, para estimular o movimento, como podemos querer que essas pessoas se interessem pelo esporte, que venham praticar, que tenham suas vidas voltadas à questão do saudável, do movimento humano?
Existem políticas públicas para o esporte?
Existem os interesses, mas políticas públicas não há, porque para se caracterizar como políticas públicas elas têm de ter todo um respaldo social. Para isso, entendo que cada estado deveria iniciar realizando um diagnóstico específico. Brasília, por exemplo, pode fazer seu diagnóstico baseado no diagnóstico nacional. Iria aproveitar muita coisa. Diagnóstico é algo muito barato de ser feito.
Qual a vantagem de se fazer o diagnóstico?
Com o diagnóstico saberemos quem financia o esporte aqui. Assim como posso chegar à conclusão que ninguém financia. Ou posso ficar sabendo que há um desejo de uma empresa X para o fomento do esporte. Essa empresa pode informar que tem como patrocinar o esporte, mas que não houve procura. Ela pode dizer que tem o recurso, mas ninguém apresenta os requisitos para que esse recurso seja utilizado. Ou seja, pode ter, pode não ter e a gente nem saber. O financiamento deve ser também empresarial, não necessariamente público.
O que mais pode ser facilitado com esse diagnóstico?
Nesse diagnóstico, eu preciso saber quem financia o esporte na minha região. Se não tem ninguém, o governo tem de buscar esse fomento. Eu tenho de saber quais são as instalações e estrutura que tenho. Como é a gestão do esporte aqui? Qual a qualificação desses gestores que estão à frente desses inúmeros projetos, como nas próprias federações. Eles precisam de qualificação? Como o governo pode contribuir?
Dessa forma, acho que esse dinheiro que é muito mal investido, poderia, uma pequena parcela dele, ser investido para qualificar esses gestores com dinheiro público. Aí, sim, acredito que tem retorno. Se eu qualifico o gestor, mal ele use o conhecimento, vai melhorar tremendamente a sua atuação. Mesmo que esse gestor aproveite muito pouco do que aprendeu na qualificação, já vai melhorar de forma significativa o desempenho.
Em Goiás, eles iam fazer isso, manter um curso permanente de qualificação de gestores em todo o Estado. O curso seria predominantemente a distância, com uma pequena carga presencial e ficaria aberto o tempo todo, porque esses cargos em federações, ligas, associações são rotativos, ou seja, mudam a todo tempo. Se a gente qualifica um e ele sai da federação, perdeu tudo. Mas se mantenho o curso aberto e o que entra faz essa qualificação, é ótimo. Até mesmo esse que saiu para atuar com outra atividade já leva o conhecimento dele para aplicar, inclusiva fora do esporte. Isso traz benefício para a sociedade. Ele aprendeu, sabe a prática e vai desempenhar. Assim, não se perde nada. Essa era a ideia que demos a eles, que até começaram a fazer, mas mudou o governo e mudou tudo. Pelos meus cálculos, se tivessem seguido, resolveriam os principais problemas de gestão no esporte em Goiás em uns seis anos. Aqui em Brasília seria muito menos tempo.
Como surgiu essa ideia do diagnóstico?
Se eu não souber o que acontece no esporte do DF, não tenho como desenvolver políticas públicas. Nós trabalhamos no diagnóstico do esporte nacional. Há alguns anos converso com o Roberto Correia, que é outro profissional da área de educação física, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Esporte – iGesporte, que as coisas acontecem e a gente não sabe como. Falávamos muito do diagnóstico. O primeiro foi realizado pelo professor Lamartine Pereira da Costa, em 1971. Em um dado momento, ouvimos falar que o governo brasileiro atual iria fazer um diagnóstico do esporte. Pensei: estão lendo nossos pensamentos. Ficamos sabendo que um dos editais era sobre legislação esportiva. Os demais não ficamos sabendo, porque tem uns editais que aparecem e ninguém fica sabendo. E entramos na licitação, por meio do iGesporte, ganhamos e fizemos a parte que tratou da legislação esportiva brasileira.
Fizemos o trabalho e entregamos ao Ministério do Esporte. Respaldado nesse trabalho, inclusive, está sendo feito agora o Sistema Nacional de Esporte e será encaminhado à Câmara Federal como um projeto de lei para ser votado e mudar tudo que acontece no Brasil. Demos nossa contribuição. Queríamos entrar, porque acreditávamos no diagnóstico muito antes de acontecer esse agora. O último diagnóstico foi feito em 1971, pelo professor Lamartine Pereira da Costa. Naquela época, ele fez um trabalho fantástico, fenomenal. Ele não tinha computador, não tinha nada. Tudo foi feito à mão, com calculadora manual. Os gráficos eram feitos com régua, medido em centímetro para fazer uma curva. Fez e foi importantíssimo o trabalho que desenvolveu. Foi inspirador para essas pessoas que decidiram por um novo diagnóstico.
Não conversamos o diagnóstico do esporte a partir desse que aconteceu. Fizemos questão de querer participar porque nós acreditamos nisso. E depois que participamos, com os resultados que obtivemos, mais ainda. A gente acha que, a partir do diagnóstico brasileiro, cada estado tem de fazer um diagnóstico e cada município faz o seu baseado no estadual. Se fizermos isso, aí, sim, o esporte no Brasil pode um dia ser de alto nível. Todo mundo saberia o que está acontecendo no Esporte, o que se deve mudar ou ser mantido. Existem lugares no Brasil em que o esporte está muito bem.
Há alguma legislação esportiva no DF?
Nós não temos uma lei consolidada de incentivo ao esporte nas esferas estadual e municipal. Estamos lutando no ara fechar essa discussão, porém, tem muita pressão externa. E quando vai para a Câmara, aprovam outra coisa que não tem nada a ver com o que nós, especialistas, discutimos lá. Porque isso é importante? Porque quando um secretário de Esporte desenvolve um projeto lá na Vila São José e dedica R$ 200 mil em recursos, isso só acontecerá se ele retirar uma modalidade que ocorre na Asa Norte, por exemplo. Com um diagnóstico isso será justificado, pois na Vila São José, as crianças nunca terão condições de realizarem essas atividades, a não ser com a utilização desse recurso. As pessoas da Asa Norte possuem melhores condições para terem as suas necessidades atendidas. O secretário terá como minimizar a pressão política que receberá, tendo como base os resultados do diagnóstico, que mostram como prioritário o uso de recursos em comunidades carentes. No dia em que algum deputado ou o pessoal da Asa Norte, que são pessoas muito mais em condições que o pessoal da Vila São José, vierem cobrar, o secretário terá condições de responder socialmente, tecnicamente e até politicamente porque ele vai investir o dinheiro em uma comunidade muito mais necessitada e não em uma que tem mais condições.
Dessa forma, é possível desenvolver uma política pública muito mais forte e amparada em argumentos. No dia em que a imprensa, por pressão dessas pessoas, quiser questionar, o secretário vai dizer: ‘estou usando esses recursos por isso e isso’.
Só que hoje, o secretário não tem condição de fazer isso, porque ele não tem essa informação. Se ele jogar esse recurso lá pra Vila São José será pelo ‘achômetro’, pela percepção dele. Mas não tem como comprovar técnica e cientificamente que aquilo ali foi a melhor opção. Então insisto: a primeira coisa que tem de ser feita aqui é um diagnóstico. A partir daí, sim, dá para pensar em políticas públicas baseadas neste diagnóstico. Um secretário pode até ter dificuldades, desagradar A ou B, mas estará embasado. No próprio Boleiros seria assim. Ah, vamos cumprir essa lei? Vamos. Só que de acordo com as reais necessidades. A filosofia da lei não é atuar na formação. Então, vamos destinar esse recurso para a formação e não mais para fazer campeonatos que atendem à minoria, sem impacto social quase que nenhum. Do que é executado, muito pouco chega à base. Quando eu tenho o diagnóstico, eu forço a chegar lá.
Lembra-se da questão da merenda? O Governo Federal mandava o dinheiro para o município e este passava em inúmeras instâncias. Quando chegava à escola, acabou o recurso para a merenda. O que o governo fez? Passou a enviar o dinheiro diretamente para a escola e ninguém mais fala nisso. Fala em desvio na escola, mas isso perto do que acontecia anteriormente é insignificante. O fato é que ou a gente muda ou teremos problemas. Minha sugestão é que comece a fazer um diagnóstico baseado no diagnóstico nacional.
Percebo que a secretária tem tentado. Porém, ela chegou e não conseguiu enxergar a situação do Distrito Federal. Imagino o desespero dela, de chegar lá e não conseguir desenvolver políticas públicas, pela ausência de definição de prioridades. Ela precisa criar uma ferramenta para se apropriar de todas as informações e tomar suas decisões. Se tiver um diagnóstico, ela terá respaldo da própria sociedade.
Em uma reunião com a subsecretária de Esporte, Ricarda Lima, ela informou que o DF perdeu o Fundo do Esporte por falta de uso. O que houve de errado para que isso ocorresse?
Eu sou membro do Conselho de Educação Física e Desporto do DF (CONEF-DF). Há um erro de origem. Eles criaram um conselho gestor do fundo, quando o fundo deveria ser gerido pelo CONEF-DF. O próprio conselho não tem ação nenhuma sobre o fundo. Tem outra comissão que fica com o fundo que não tem nada a ver com o esporte. Eles só ficam gerenciando o fundo. Está errado. Em São Paulo, o Conselho de Educação Física, Esporte e Lazer de lá é que gerencia o fundo. Brasília é o único local que tem um conselho para gerir o fundo. Porque fizeram isso? Primeiramente, virou um cabide de emprego. Um membro do CONEF-DF não recebe para ser membro. E acho que isso é o certo. A sociedade tem de dar sua contribuição voluntariamente para funcionar o esporte. Então, enquanto um membro do CONEF-DF não recebe nada, um membro do conselho do fundo recebe em torno de R$ 2 mil por mês. Sendo assim, a pessoa vai querer ser do Conef, que é o órgão mais importante? Não. Ela vai querer ser do conselho do fundo, inclusive porque ele é quem controla a torneira dos recursos para o esporte.
A própria secretaria fica e situação difícil, porque se ela não tiver maioria no conselho, não consegue aprovar os projetos. Parece-me que a secretária de Esporte, Leila Barros, está tentando fazer com que esse fundo volte para o conselho. Mas é difícil conseguir passar isso na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Quem deveria gerir esse fundo?
A primeira coisa que tinha de acontecer é colocar o fundo atrelado ao Conselho de Educação Física, Esporte e Lazer – CONEF-DF, porque aí se reduziria a burocracia. Não adianta submeter um projeto ao conselho, ele considerar relevante e, quando chega ao conselho do fundo, ele não considera assim. O que o Conselho do Fundo de Apoio ao Esporte – CONFAE tem a ver com o esporte? Não são especialistas. Quem é a representação de conhecimento de esporte que está lá no conselho do fundo? Na maioria das vezes, são pessoas que, por indicação politica, estão lá para receber um valor. Não todos, mas alguns. Tem membro que saiu do CONEF-DF para entrar no conselho do fundo, porque, politicamente, ele tem força.
Por isso insisto que precisamos do diagnóstico e vou te mostrar onde vai desaguar isso. Vamos levantar, primeiramente, quem financia o esporte? Depois, qual a infraestrutura que temos?, Quantos ginásios? Onde estão localizados? Quantos campos de futebol (de terra, de grama, sintético)? Quantos estádios temos? Quantas quadras poliesportivas? Tem acessibilidade? Alguém gerencia? Funciona ou não? Como faço para utilizar enquanto cidadão?
Outro dia, um amigo estava contando que, na Bélgica, eles tinham um jogo de futebol todo sábado pela manhã. Em um desses sábados, de repente, um pai entrou na quadra, durante o jogo de futebol, para jogar basquete com seu filho. E todo mundo jogando e se preocupando em não acertar os dois. Pois eles sabem da importância de o pai estar ali junto ao filho, dedicando um tempo dele ao filho. Quem era brasileiro, na hora, estranhou. Só que lá, é normal, é natural. É para usar, é público. Estou contando isso, porque acho que temos de repensar tudo. Nossa cultura não permite essa ação.
Como o Gesporte age nas comunidades esportivas?
Quando eu falei que um grupo de academias das cidades satélites que quer qualificar seus gestores, isso enche de orgulho. Não importa se é um grupo de empresários. Isso promove impacto social. Quando eu ajudo essas pessoas, elas darão um retorno para a sociedade. Evitarão que pessoas morram fazendo exercícios físicos de maneira inadequada, inábil, despreparada, desqualificada. Poderei fortalecer aqueles que estão prestando serviços na área de esporte para a sociedade. Não tenho que pensar se é empresarial ou não. Eu tenho de entender que a universidade pública foi feita para atender à sociedade. Não é a pública ou a empresarial; foi feita para atender a sociedade como um todo. Isso é que é importante. A universidade tem de ajudar quem puder. Se podemos ajudar, vamos ajudar.
Há alguns anos, o presidente do Conselho de Educação Física nos procurou e disse que tínhamos de nos aproximar mais dos nossos registrados. Estamos muito distantes, disse ele. O que podemos fazer para solucionar isso? Criar um Congresso. É o primeiro Conselho de Educação Física do Brasil e único que tem um congresso técnico e científico para os profissionais da área. Isso tem um impacto enorme. O evento já chegou à 5ª edição. Prometi que ajudaria a organizar até a 4ª edição, que faria tudo pelo Gesporte. A partir da 5ª edição, depois de tudo organizado, consolidado, vocês passam a organizar. Eles seguiram com o maior sucesso.
Como as lideranças esportivas podem usar o Gesporte?
Explorem a universidade. A UnB está aqui para isso. Fizemos um curso de técnicos para sete países, com respaldo da CBF. Tínhamos que ter esse respaldo e a garantia que o curso iria até o final. Mas o que eles queriam fazer era cobrar a mensalidade de cada um que fizesse o curso e esse valor alimentaria o custo do evento que iria acontecer. Só que aí, um atrasa, não pode pagar, e tudo desanda. Isso não pode ser assim. Eles arrumam tanto dinheiro para fazer um monte de bobagem e querem cobrar dos que querem se capacitar. Está errado. Isso deveria ser uma ação social das federações. Nem que eles busquem a iniciativa privada. Vamos fazer uma seleção pela UnB, pois isso não permite que entre uma pessoa que não tem condições, mas que está sendo apadrinhado. Se a gente fizer isso, duvido que coloquem aqui quem eles querem, sem ter condições. Muitas vezes, eles pensam que, porque o dinheiro está saindo da federação, sentem-se no direito de colocar só os amigos.
Existe custo para se promover esse tipo de preparação?
Sim. Tem um custo. É mais barato, porque a universidade é pública, mas tem um custo, porque a Universidade de Brasília não possui recursos para essas atividades. Mesmo com preço reduzido, essas instituições que necessitam desses serviços não querem cobrir os custos. O que aconteceu no curso de árbitro que fizemos? Foi uma ingenuidade minha, porque nunca havia feito isso, então eu aceitei. Professores, ex-árbitros, esse pessoal não vêm de graça, tem de pagar. Inclusive, os nossos professores aqui da UnB que trabalharam nesse curso não receberam. Todos fizeram uma colaboração fora do expediente. Mas houve atrasos e a gente se viu impedido de pagar um profissional que veio de fora. Não pode ser assim! E a federação dizia que não tinha dinheiro. A minha proposta é que não faço nada para essas organizações se não houver garantia do recurso, que é insignificante. Fazendo pela UnB, eu corto um monte de custo. Sem falar no quanto valoriza a federação, porque é a UnB, tem nome. Então, eu não faço mais se não for assim, pois teve mês que tive de tirar do bolso para pagar um profissional que veio do Rio de Janeiro para ministrar uma disciplina do curso de árbitro e não tinha como receber. Eu tive de tirar do meu bolso, na expectativa de receber futuramente e cobrir. Pior, criou uma situação de eu ter de explicar para a UnB como eu consegui pagar o profissional no dia tal, se não havia dinheiro para isso.
Para você, a mudança está nas mãos dos jovens?
Exato. Os problemas só serão minimizados se a questão técnica for bem resolvida. Minha expectativa é que quando a meninada que estamos formando estiver na posição de tomar as decisões, a situação comece a melhorar. Se a gente não formar pessoas para mudar o que já está aí, estamos perdidos. Somente com o tempo vamos conseguir mudar isso.
Esse modelo atual está acabado. Não é só o futebol. A gente fala de futebol, porque recebe mais recurso. A federação de atletismo não pode fazer nada e tem de inventar outro CNPJ para resolver sua situação. A cultura do jeitinho é que estraga. O atletismo não tem jeito, pois como ela conseguirá patrocínio se não tem resultado. Só tem uma exceção no Brasil que não tem resultado, mas tem patrocínio. Temos muito interesse em fazer um estudo com o São Caetano. O time está na série D, tem patrocínio, é clube empresa e é superavitário. Todo fim do mês o dono recebe dividendos do seu investimento. Por quê? Porque ele é um gestor de primeiríssima. Ele paga tudo e o que sobra é o seu lucro. Isso é que está certo. Isso que a gente tinha de ter, já que o sistema de clube social também está falido. O São Caetano possui o menor passivo trabalhista. Paga os jogadores rigorosamente em dia, paga seus trabalhadores. Deve pouco. Isso aí é um fenômeno.