Ex-jogador da NBA diz que esporte é um microcosmo do mundo

0
32

Mahmoud Abdul-Rauf participa de clínicas de basquete no Brasil

Em 2023, o nome Mahmoud Abdul-Rauf não está no foco das atenções no mundo dos esportes. O jogador, que atuou na NBA e rodou o mundo pelo basquete, se aposentou das quadras em 2011. No entanto, quando estava no auge, foi mais um a colocar a própria carreira em risco com gestos questionadores que o puseram no olho do furacão da opinião pública e da mídia americanas. Em 1996, no meio de sua melhor temporada na NBA, pelo Denver Nuggets, ele passou a se recusar a ficar de pé durante a execução do hino nacional e olhar para a bandeira dos Estados Unidos antes dos jogos da equipe. A atitude causou polêmica, ele chegou a ser suspenso pela liga e dali em diante sua vida e carreira mudaram.

Abdul-Rauf, que foi registrado como Chris Jackson quando nasceu e mudou de nome em 1993 após se converter ao islamismo, está no Brasil para participar da Semana Move, do Sesc São Paulo, evento onde realiza palestras e clínicas de basquete.

Ele conversou com a Agência Brasil sobre o que tem feito desde que encerrou a carreira e também sobre o papel do esporte na sociedade. Ativista social contra o racismo e pela igualdade, ele também falou, obviamente, sobre basquete. Abdul-Rauf foi selecionado na terceira escolha do draft (recrutamento de talentos do esporte universitário) da NBA de 1990, pelo Denver Nuggets. Jogou por seis temporadas pela equipe, tendo os melhores números justamente na última (19,2 pontos e 6,8 assistências por jogo, com incríveis 93% de aproveitamento nos lances livres). Naquela época ele passou a se posicionar politicamente em relação ao hino do país, que considera um símbolo da opressão.

O armador então rumou para o Sacramento Kings, mas rapidamente perdeu espaço na NBA, jogando em países como Turquia, Itália, Arábia Saudita e Japão. Nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre o que passou após marcar sua posição, um gesto muito semelhante ao que outro atleta americano fez vinte anos depois.

Agência Brasil: Considerando seu tempo como atleta e o que vive desde que se aposentou, qual foi o grande ensinamento que você teve com o esporte?
Mahmoud Abdul-Rauf: Essa é difícil [risos]. Complicado limitar a apenas uma. Creio que sejam: resiliência, consistência, administração do tempo, sacrifício. Criar contatos, porque você não consegue jogar sozinho. Compreender seu papel. Suporte. Paciência, porque o basquete não tem apenas uma velocidade, você precisa aprender sempre sobre nuances, ângulos, quando acelerar ou desacelerar. O esporte é como um microcosmo do mundo em que vivemos. Todas essas qualidades são coisas que a gente vai precisar fora do basquete.

Você tem se mantido próximo ainda ao mundo do basquete?
Sim, eu amo esse mundo. Ainda faço atividades todo dia, mesmo que não sejam sobre basquete, eu me mantenho em forma. Ainda treino com jogadores da NBA, que se aposentaram ou ainda estão lá. Alguns nomes como Dennis Smith Jr, Spencer Dinwiddie [ambos do Brooklyn Nets], Victor Oladipo [Oklahoma City Thunder]. Acabei de treinar em Nova York com o Immanuel Quickley, que joga pelo New York Knicks. Ainda tenho um intenso amor pelo jogo e ainda quero dominar o jogo, mesmo tendo 54 anos [risos].

E você tem dominado esses jogadores?
Vou te contar uma coisa. Eu faço umas competições de arremessos contra eles e volta e meia alguém tenta me desafiar. Ainda posso dizer que consigo competir com eles nesse nível. Mas não vou deixar ninguém em maus lençóis. Eles sabem [risos].

Qual sua visão sobre o basquete atual?
Definitivamente mudou. Agora é mais um jogo de arremessos de longa distância, para armadores. Atletas grandes estão meio que obsoletos, não se usa mais um Shaquille O’Neal ou um Hakeem Olajuwon como antes. Eu gosto desse aspecto do jogo, o torna interessante para mim. Eles abrem mão de bolas de dois para arremessar de três. A defesa não é tão física.

Eu gosto disso e não é que não existia antigamente. É que no passado os jogadores eram postos em funções específicas. Sempre fui contra isso. Quando fui jogar na Europa percebi que pivôs faziam treinos de armadores e vice-versa. É assim que o jogo deve ser jogado. Quanto mais versátil mais valioso você é.

Os jogadores da minha época sabiam fazer isso, eles faziam quando era em um ambiente mais descontraído, nas ruas. Mas quando iam falar com o técnico, ouviam: “Não precisamos que você faça isso. Fique lá embaixo da cesta”. Era como se te colocassem algemas. Agora você vê jogadores grandes com controle de bola, fazendo passes como armadores e arremessando. Eu adoro isso.

E fora das quadras, o que tem feito?
Sei que tenho que ser mais consciente não apenas sobre a minha esfera pessoal, mas também sobre a minha relação com o mundo. Como eu trato o universo, mas também os seres humanos. Sempre tento ser alguém que passa pela vida das pessoas e pode oferecer algo a elas. Tento constantemente fazer isso e me elevar intelectualmente, adquirir mais sabedoria.

Em 2016, ou seja, 20 anos depois de você, Colin Kaepernick (quarterback do San Francisco 49ers, da NFL, liga de futebol americano dos Estados Unidos) começou a chamar atenção por se ajoelhar durante a execução do hino. O que você pensou quando viu aquilo?
No começo, vi muitas semelhanças entre as nossas histórias. Como ele estava recebendo ameaças de morte, como a mídia caiu em cima dele. Pensei automaticamente em como a mesma coisa que aconteceu comigo estava prestes a acontecer com ele também. Falei comigo mesmo: os minutos dele vão começar a diminuir. Isso se ele jogar.

Todos começam a questionar se ele tem o que é preciso nesse nível. Fica difícil conseguir uma vaga em um time. Foi o que aconteceu comigo. Mesmo estando no meu auge, a narrativa começa a se firmar. Aí te oferecem menos do que você vale, é ofensivo para você. Você precisa fazer uma escolha. Eles [os dirigentes dos times] agem como se quisessem distância de alguém assim, mas não podem abertamente falar isso.

Essas foram as coisas que eu pensei. Por isso procurei falar com ele. Não tinha nenhum contato, apenas fui nas redes sociais dele e disse: “Estou com você 1.000%”.

Como você vê hoje o fato de jogadores da NBA estarem na linha de frente muitas vezes das discussões sociais e raciais nos Estados Unidos? Levando o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) nas camisas, protestando contra as mortes de pessoas pretas e a violência policial?
É uma longa conversa. Primeiramente, acredito que todos temos uma responsabilidade, inclusive atletas que ganham milhões de dólares. Existe um ditado que diz que se espera muito de quem muito recebeu. Você está em uma posição em que tem uma plataforma, é mais visível do que o cidadão comum. Isso não te isenta de participar. Na verdade, coloca até mais responsabilidade em seus ombros de tomar uma posição por causa do impacto que você tem.

Sempre vai ter gente que não vai gostar do que você tem para dizer. Mas, por outro lado, haverá pessoas que vão admirar o que você diz sendo um esportista.

Sobre os jogadores falarem o que pensam, eu acho o seguinte. A NBA parece ser uma liga mais progressista do que a NFL, mas a verdade é que eles sabem melhor como se posicionar para o público. São mais sagazes nesse sentido. Os atletas ainda precisam ter um determinado posicionamento para serem aceitos. E falarem as coisas certas.

Porém, pelo menos o esforço de muitos jogadores em usar a plataforma para “dobrar” as leis, falarem o que pensam, isso tem que ser feito. (Da Agência Brasil)

Artigo anteriorComplexo Aquático Cláudio Coutinho recebe nova iluminação
Próximo artigoParanoá Parque e mais três regiões receberão campo sintético
Viver Sports
A voz do esporte amador no DF e Entorno, chega a versão 2.0 de seu novo Site